22 de janeiro de 2008

FRAGMENTOS DE UM ARTIGO:


Quando criança minha avó vendia roupas usadas e eu a acompanhava em um local na cidade de Uberaba, Minas Gerais chamado Gogó da Ema. Aos poucos, pude entender tratar-se de um prostíbulo onde escandalosas mulheres amontoavam-se junto às roupas. Acredito que esse foi o meu ponto de partida no universo da prostituição. Ë por isso que, de certo modo, creio que nossas escolhas artísticas se baseiam sempre em fatos que nos marcaram profundamente, principalmente na infância, e que transpomos para o universo da arte.
Muito tempo depois, estava na graduação do curso de Artes Cênicas da Escola de Belas Artes da UFMG quando adentrei-me no sexto período na prática de montagem do curso de bacharelado ministrada pelo professor Luiz Carlos Garrocho. O foco da pesquisa eram os seres marginais da região do baixo centro de Belo Horizonte, dentre estes, as prostitutas. No trabalho de campo, por várias vezes visitei hotéis de prostituição da rua Guaicurus no centro da cidade onde pude gravar vários relatos. O resultado desse processo criativo culminou com a apresentação do trabalho “Fudidos Intervenção Cênica no espaço urbano” em agosto de 2004 no quarteirão fechado da rua Guaicurus. A direção foi do professor Luiz Carlos Garrocho.
Esse trabalho fomentou o desejo de uma pesquisa mais aprofundada sobre a prostituta. Alguns parceiros que têm uma pesquisa dentro desse universo como Lúcio Barros, sociólogo, Francilins, fotógrafo e antropólogo além de Dos Anjos, presidente da Associação das Profissionais do Sexo de Belo Horizonte, permaneceram após a finalização do processo “Fudidos”. Isso tudo impulsionou a elaboração de um projeto para leis de incentivo onde o foco era histórias de vida das prostitutas ou profissionais do sexo, como gostam de serem chamadas; e que resultaria em uma montagem cênica. Em 2005, o projeto foi aprovado na Lei Municipal de Incentivo à cultura de Belo Horizonte.
Trazer esse tema à tona foi sempre um desafio. A sociedade de Belo Horizonte, por mais que saiba de todos os hotéis existentes na rua Guaicurus, prefere ignorar o uso dessas casas antigas. É fato também que a Guaicurus é para a grande maioria das pessoas uma região perigosa, conhecida também pelo tráfico de drogas e por ser onde muitos delinqüentes praticam roubos e assaltos.
Antes de partir para o processo de criação, passei novamente pelo trabalho in loco. Visitas em hotéis, casas de strip-tease e cines pornôs foram realizadas por toda a equipe de montagem: direção, dramaturgia, elenco, cenógrafo e iluminador. Todo esse trabalho tinha o intuito de levar material para a sala de ensaio. Dessa pesquisa, para além das fitas gravadas, ficou em cada um de nós as impressões de cheiros, cores, corpos como mercadorias à venda. Um fato que chamou a atenção de todos foi a quantidade considerável de homens pelos corredores, em pleno horário comercial. A sensação é de que todos os homens que trabalham no centro da cidade freqüentam esses locais.
Esse processo de ir e vir aos hotéis durou um período de dez meses da montagem, sendo que, nos últimos três meses que antecederam à estréia do espetáculo, houve uma diminuição das visitas devido à quantidade de ensaios para finalização do espetáculo.
O trabalho foi realizado em processo colaborativo, ou seja, a dramaturgia foi construída em cena, com as contribuições importantíssimas dos relatos de todas as mulheres com quem tivemos contato e das improvisações de nós atores.
É importante ressaltar que desde o princípio do processo, sempre defrontamos com uma questão: O que queremos dizer do universo da prostituição? Qual o recorte que queremos fazer dentro de um universo tão amplo que aborda sexo, relações entre comércio e mercadorias humanas expostas. Quando finalmente optamos pelo enfoque nas histórias de vida de prostitutas o grande perigo era cair no estereótipo, mulheres que fazem sexo com trinta, quarenta, cinqüenta homens por dia... não, não era disso que queríamos falar, ou melhor, não apenas disso. Cabia a nós desvendar-mos o outro lado, da prostituta não enquanto vítima da sociedade, mas da mulher, filha, mãe e esposa que possuía um passado, um presente e um futuro muitas vezes nem tão promissor, como a maioria das pessoas almeja.

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